sexta-feira, 4 de maio de 2012

CESÁRIO VERDE


Cesário Verde, conhecido como o poeta de Lisboa, teve uma vida um tanto instável, alternando sua estadia ora na cidade, como no campo. Seu pai  abastado lavrador, possuia uma quinta nos arredores de Lisboa, Linda-a-Pastora - local idílico -  e tinha também uma loja de ferragens no centro da capital onde Cesário trabalhava.
Possuia o gosto pela leitura mas nada agradado dos meios literários, a ponto de abandonar passados poucos meses o Curso de Letras da Faculdade de Lisboa. Colaborou em vários jornais da época.
Exaltava os valores vigorosos e saudáveis de um ambiente rústico do campo, onde se refugiava para sua tranquilidade, e entendemos a razão, pois a doença que não o largava - a tuberculose ou tísica - como se dizia na época, levara também seu irmão e irmã.
Na cidade seduziam-no as acções humanas, apoiando as injustiças sociais.
Descreveu o campo e a cidade, cenários seus prediletos com grande sensibilidade.
O campo é para ele um espaço de alegria, mas a cidade um ambiente triste, sujo, edifícios escuros, com gente também suja e de aspecto doentio.
Morreu cedo. Nasceu e morreu na segunda metade do século XIX com trinta e um anos apenas, mas deixou-nos belos poemas no "Livro de Cesário Verde". Em baixo o poema Avé-Marias. 

AVE-MARIAS

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!



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